A produção antecipada de provas e seus benefícios em pericias médicas trabalhistas

Desde a última reforma do judiciário com suas leis trabalhistas, o número de ações ligadas à doença ou acidente do trabalho reduziu drasticamente.

O medo da punição sobre os honorários sucumbentes - numa matéria onde o advogado é leigo (saúde), afastou primeiramente os de má-fé (o que foi bom para todos do judiciário e empresariado) mas também deteve uma enorme gama de “merecedores legítimos” que se tornaram temerosos da consequência de se questionar algo ligado a relação saúde no trabalho.

À luz do Código de Processo Civil de 1973, a produção antecipada de prova destinava-se a antecipar a produção de determinados meios de prova, sob a justificativa de que a parte não poderia aguardar a fase instrutória do processo principal, que era o momento previsto para a sua produção. 

O Código de Processo Civil de 2015 reestruturou o instituto da Produção Antecipada de Prova. Extinguindo-se a necessidade de demonstrar o risco de perecimento da prova ou a impossibilidade de sua produção, caso não produzida de maneira antecipada, uma vez que Código de Processo Civil de 1973 somente admitia a produção antecipada de prova em caráter cautelar. Assim, eliminou-se o requisito da urgência. Consagrou-se, com isso, um direito autônomo à prova, em que a parte pode se valer da medida probatória autônoma, além da hipótese de urgência, como forma de evitar o litígio ou de conhecer melhor os fatos para propor futura e eventual demanda, melhor instruída.

A clássica hipótese de cabimento da produção antecipada de prova coexiste com as novas modalidades de aplicação, situação que se amolda ao entendimento de que a prova não possui como um único destinatário o magistrado que julgará a demanda, servindo também para as partes se certificarem sobre a (in)ocorrência de determinados fatos, ponderando a (in)viabilidade de apresentar a pretensão principal para análise de mérito em juízo ou, para viabilizar uma composição extrajudicial sem necessitar acionar o Poder Judiciário.

Hoje, então, a produção antecipada de prova pode ter ou não natureza cautelar, mas, em qualquer hipótese de cabimento manterá seu caráter autônomo.

Embora possua natureza jurídica de ação autônoma, para a produção antecipada de prova faz-se necessário o preenchimento de determinados requisitos no intuito de demonstrar a utilidade do objeto a ser provado e a real necessidade da tutela jurisdicional. Por esta razão, na petição inicial, o requerente apresentará as razões que justificam a necessidade de antecipação da prova e mencionará com precisão os fatos sobre os quais a prova há de recair. Isso será fundamental para se demonstrar que a antecipação da prova será útil (interesse) ao requerente (legitimidade).

A prova formalizada com a propositura da ação probatória autônoma, caso utilizada em eventual ação a ser proposta futuramente, será recebida como prova emprestada (Art. 372 do CPC). Na segunda ação, a prova emprestada tem a forma documental e, para que se admita sua utilização como ‘empréstimo’, o entendimento doutrinário prevalente é o que afirma ser imprescindível, em regra, que a prova tenha sido produzida entre as mesmas partes, sob pena de infração ao princípio do contraditório.

A sentença produzida no processo se limitará apenas à homologação da prova produzida, declarando-se a regularidade da prova constituindo a mesma para eventual uso em ação principal. A decisão supra não faz coisa julgada quanto ao mérito da (possível) pretensão principal, pois, nem cabe pronunciamento sobre ela. Além do mais, a regularidade da prova homologada é passível de revisão em futuro processo em que aquela venha a ser usada.

Neste sentido, o professor Arthur Ferrari Arsuffi discorreu:

(...) entendemos que existe uma relação - ainda que em tese - entre a ação de produção antecipada de prova e o eventual processo futuro. Desse modo, o ajuizamento da ação probatória deve servir para interromper o prazo prescricional, pois é prova inequívoca da ausência de negligência do titular do direito, o qual passou a buscar sua tutela de forma cautelosa, visando à obtenção de prova substancial antes de se aventurar em demanda que verse sobre o acertamento do direito.

Na ação probatória autônoma as despesas decorrentes da relação processual ficarão a cargo da parte requerente. Tais despesas poderão ser ressarcidas à parte vencedora quando da propositura de ação futura que verse sobre o acertamento do direito (Art. 82, §2º do CPC). Além do mais, não há qualquer impedimento à concessão das benesses da justiça gratuita às partes que demonstrarem ter preenchido os requisitos legais para tal.

Quanto aos honorários advocatícios e sua possibilidade de arbitramento no procedimento da produção antecipada da prova, embora tenha sido amplamente discutida em sede doutrinária sua (in)aplicabilidade, vem prevalecendo o entendimento firmado ainda na vigência do Código de Processo Civil de 1973 de que haverá fixação de honorários advocatícios sucumbenciais quando houver resistência da parte requerida na produção da prova.

As hipóteses de cabimento da produção antecipada de prova encontram-se previstas no Art. 381 do CPC:

Art. 381. A produção antecipada da prova será admitida nos casos em que:

I - haja fundado receio de que venha a tornar-se impossível ou muito difícil a verificação de certos fatos na pendência da ação;

II - a prova a ser produzida seja suscetível de viabilizar a autocomposição ou outro meio adequado de solução de conflito;

III - o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento de ação.

§ 1º O arrolamento de bens observará o disposto nesta Seção quando tiver por finalidade apenas a realização de documentação e não a prática de atos de apreensão.

Deixou o legislador de delimitar no novo Código de Processo Civil, com exatidão, quais os tipos de prova que serão permitidas sua produção antecipada na ação autônoma em estudo. Limitou-se a dizer que os interessados poderão requerer a produção de qualquer prova no mesmo procedimento, desde que relacionada ao mesmo fato, salvo se a sua produção conjunta acarretar excessiva demora (Art. 382, §2º).

Ocorre que há situações em que não se pode aguardar a tramitação normal do processo para a produção de determinadas provas, sob a consequência de perecimento do direito ou, às vezes, impossibilidade material de realização da mesma, consoante leciona Mauro Schiavi.

Tendo em vista que o procedimento da produção antecipada de provas não foi previsto na CLT e que os objetivos do mesmo são compatíveis com as premissas do processo do laboral, temos sua plena aplicação na Justiça Especializada do Trabalho.

A CLT, no Art. 790-B, após a Reforma Trabalhista, passou a prever que é da parte sucumbente na pretensão objeto da perícia, a responsabilidade pelo pagamento dos honorários periciais, ainda que a parte seja beneficiária da justiça gratuita (caput) sendo que, somente no caso em que o beneficiário não tenha obtido em juízo créditos capazes de suportar a despesa honorária, ainda que em outro processo, a União responderá pelo encargo (§4º). 

Ocorre que na antecipação de provas inexiste reconhecimento de crédito ao empregado para permitir-lhe o pagamento dos honorários periciais, cabendo à União o custeio dessa verba, independentemente do resultado da prova. Caso seja ajuizada ação posterior, deverá a parte sucumbente restituir os valores à União.

Outra questão que merece destaque é a possibilidade de arbitramento dos honorários advocatícios sucumbenciais, vez que após as alterações promovidas pela Reforma Trabalhista, na CLT, passou-se a prever a condenação à tal verba em razão da mera sucumbência.

O entendimento que vem predominando é no sentido de não haver condenação em honorários advocatícios, pois, inexiste sucumbência no procedimento em estudo, desde que haja apresentação de defesa uma vez que o contrário, ou seja, a resistência da parte adversa, configura hipótese de fixação de honorários sucumbenciais.

Outra inovação trazida pela Reforma Trabalhista foi a possibilidade do beneficiário da justiça gratuita arcar com os custos de honorários periciais (Art. 790-B da CLT), caso sucumbente, somente sendo de responsabilidade da União o pagamento de tal verba se o beneficiário em questão não tiver obtido em juízo créditos capazes de suportar a despesa (§4º).

Especificamente nas ações em que se discutem a responsabilidade civil do empregador ante a redução (ou perda) da capacidade laborativa do trabalhador, na vigência (ou decorrente) do contrato de trabalho, quando há existência de acidente de trabalho ou na aquisição de doença ocupacional, via de regra, temos pedidos de valores vultosos (como por exemplo o pedido de indenização pelos lucros cessantes) que hoje, caso não sendo comprovadas as pretensões postas em análise judicial, acarreta a condenação do trabalhador em altos valores de honorários sucumbenciais, honorários periciais, além das demais custas advindas da relação processual.

Tal situação acaba levando o empregado, em determinadas situações, ciente dos riscos processuais, não levar em juízo a pretensão reparatória pela depreciação sofrida em sua saúde (que reflete em sua capacidade laborativa) decorrente do labor despendido, considerando que, somado a outros meios probatórios influenciadores na cognição a ser formada pelo magistrado julgador esta, via de regra, fica dependente das conclusões da prova técnica de ergonomia e da prova médica pericial.

É evidente que em inúmeras ocasiões o trabalhador não é provido de condição financeira suficiente para arcar com os riscos (despesas) do processo. Assim, para efetivar o Princípio da Inafastabilidade de Jurisdição (Art. 5º, XXXV da CF), bem como para evitar os riscos expostos acima (condenações ao empregado), vem se admitindo a produção antecipada de prova que, em regra, não há arbitramento de honorários advocatícios sucumbenciais quando da produção antecipada de prova técnica ou médica pericial.

O procedimento em estudo se demonstra extremamente útil aos trabalhadores, pois, a depender do resultado probatório produzido poderá abster-se de propor ação com pretensões reparatórias (em casos de doença ou acidente de trabalho) ou, poderá adequar suas pretensões aos parâmetros já conhecidos (e provados judicialmente), limitando-se os pedidos da ação a ser proposta, vez que esta deverá ter seu pedido certo, determinado e com a indicação de seu valor[14] (Art. 840, §1º da CLT).

Não há muita oposição dos magistrados trabalhistas no pedido judicial para exibição de documentos em caráter antecedente. Assim, tendo o trabalhador demonstrando o preenchimento dos requisitos legais necessários poderá obter, em juízo, a exibição de PPRA, LTCAT, PCMSO, ficha de EPI’s, ficha de registro com todas as alterações do contrato de trabalho, bem como demais documentos que se encontre em poder do empregador e que possa influenciar na propositura de ações indenizatórias decorrentes do acidente de trabalho ou da aquisição de doença ocupacional.

Entretanto, há certa resistência dos julgadores supra quando o pedido de produção antecipada de prova versa sobre produção de prova pericial para fins de ser avaliado, por exemplo, a existência de redução (ou perda total) da capacidade laborativa, nexo de (con)causalidade desta com o labor despendido para o empregador e/ou o quanto as condições do meio ambiente do trabalho as quais estavam expostas o trabalhador contribuiu para o surgimento da doença ocupacional ou para o acontecimento do acidente de trabalho.

Em especial quanto à realização de prova médica pericial, seguindo com a nova disposição do Código de Processo Civil de 2015, alguns Tribunais Regionais do Trabalho (ou seja, na segunda instância) já se posicionaram no sentido de possibilidade de sua produção de maneira antecipada (reformando assim as decisões de primeiro grau que negaram a procedência do pedido inicial).

Quanto ao pagamento de honorários, periciais e advocatícios sucumbenciais, necessário fazer uma distinção. Como o procedimento da produção antecipada de prova médico pericial (ou prova técnica) não depende da parte adversa apresentar instrumentos probatórios que estejam em seu poder, não há falar em arbitramento de honorários advocatícios sucumbenciais caso não se manifeste (oferecendo certa resistência) no procedimento instaurado.

A integralização da parte adversa (empregado ou empregador, visto que a prova poderá ser produzida por ambas as partes) na relação processual faz-se necessário para que eventualmente não venha arguir eventual prejuízo ao Princípio do contraditório e da ampla defesa.

Já quanto aos honorários periciais, há posicionamento jurisprudencial no sentido de fixá-lo, determinando o seu pagamento de forma antecipada pela parte autora (podendo ser empregado ou empregador), sob pena de extinção do processo sem resolução do mérito por ausência de pressuposto processual. Porém, nada impede que com o pagamento da verba honorária supra esta seja ressarcida pela parte vencida na ação principal, quando vencedora a parte que teve o dispêndio na ação de produção antecipada de prova.

Assim, aos poucos tem se fortalecido o entendimento jurisprudencial sobre a admissibilidade do procedimento autônomo para produção antecipada de prova, com a submissão do trabalhador a avaliações técnicas, visando a formação de acervo probatório necessário para a análise da (in)viabilidade jurídica de eventual reclamação trabalhista para se buscar a reparação pelos danos sofridos pelo mesmo decorrentes de doença ocupacional ou acidente de trabalho.


Conclusão

Ante todo exposto, conclui-se que o procedimento da produção antecipada da prova vem sendo medida plenamente cabível, útil e favorável ao processo do trabalho, principalmente ao trabalhador.

Permitir a produção antecipada da prova, principalmente quando há discussões sobre o acontecimento ou não da doença ocupacional e acidente de trabalho, permite chegar ao Poder Judiciário processos que já tenham passado pelo crivo da viabilidade processual e análise mais acertada dos riscos os quais a parte postulante estará se submetendo, em especial o financeiro. Ademais, poderá também desafogar o Judiciário com a tendência de utilização de outros meios alternativos de resolução de conflitos.

Quanto às benesses da ação autônoma probatória de caráter antecipado trazidas ao trabalhador, podemos destacar a redução de custos processuais que este terá que arcar, principalmente com as recentes alterações promovidas na CLT após a Reforma Trabalhista. É de plena ciência de todos que grande parte dos trabalhadores são portadores da hipossuficiência técnica, contratual e financeira. Assim, ser admissível a utilização do procedimento em estudo no processo laboral, principalmente para formulação de provas que versam sobre doença ocupacional e acidente de trabalho traz a possibilidade de exercer seu direito constitucional de ação, não tendo que arcar com vultosos honorários advocatícios juntamente com periciais caso não consiga êxito em seus pedidos.

Com a formalização de acervo probatório de maneira antecipada já apresentará sua pretensão em juízo, se necessário, de forma a balizada, com pedidos certos, baseados em provas que demonstram o que o trabalhador considera ser estritamente devido a título reparatório.

Ao final, o juiz proferirá sentença, que se limitará a homologar a prova. Tal pronunciamento não examinará a ocorrência ou inocorrência de fatos, tampouco versará sobre as eventuais consequências jurídicas pretendidas por qualquer das partes. Haverá apenas a afirmação da regularidade da prova produzida antecipadamente. Após o trânsito em julgado, os autos da produção antecipada de prova permanecerão em cartório por um mês, de modo a permitir a extração de cópias e certidões. Após, os autos serão entregues ao requerente da medida (CPC/15, art. 383).

Referências bibliográficas:
http://www4.trt23.jus.br/revista/content/produ%C3%A7%C3%A3o-antecipada-de-provas-para-a%C3%A7%C3%B5es-de-doen%C3%A7a-ocupacionalacidente-de-trabalho https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI226528,41046-Producao+antecipada+de+prova+no+novo+CPC